Aparentemente era um espelho qualquer, mas toda vez que ela se deparava consigo enxergava que tudo em si era uma farsa.
Nas manhãs se sentava com seu marido na mesa do café, e o servia com sutileza antes dele sair para o trabalho. A empregada recolhia tudo à mesa enquanto ela delicadamente sorria para os pássaros na janela. Aparentava ser uma mulher tranquila, com o relacionamento perfeito, a vida perfeita.
Coberta dos pés a cabeça, com vestidos luxuosos, ninava sua filha de sete meses e cantava docemente até pegar no sono. Gentilmente a colocava no berço e subia as escadas de sua luxuosa casa. Aproveitava que seu marido não estava em casa para cuidar de si. Pintava quadros, com sua doçura e dava vida aos tons brutos de violência. Vendia-os na sua feira de arte nos finais de semana quando sua imensa casa aparentava uma humilde prisão, ela era prisioneira de si mesma, e de todos que a rodeava.
Às seis da tarde ela aproveitava para ver o lindo sol se pôr, e às sete se vestia para receber o marido, que chegaria faminto do trabalho como de costume.
Sim, sua vida era uma rotina. Olhando no espelho enquanto tirava a roupa ela chorava ao ver as marcas deixadas em seu corpo e lembrava com tristeza o que acontecia todas as noites antes de se deitar ao lado daquele que a fazia mal, e que para os olhos de suas amigas seria o marido perfeito.
Sim, sua vida era uma rotina.